Veja o vídeo. A Polícia angolana remeteu para o Ministério Público o processo envolvendo o agente do Serviço de Investigação Criminal (SIC) que foi filmado a abater a tiro, numa rua de Luanda, um alegado assaltante já imobilizado e ferido.
A informação foi confirmada hoje pelo porta-voz da delegação de Luanda do Ministério do Interior, inspector-chefe Mateus Rodrigues, esclarecendo que o caso já não está sob a alçada da investigação policial.
Fonte da Procuradoria-Geral da República remeteu para as próximas horas mais informação sobre este caso, que há vários dias motiva reacções na sociedade angolana que, inclusive, levou o director da Human Rights Watch (HRW) para a África Austral, Dewa Mavhinga, a afirmar que “o assassinato é um das dezenas de casos reportados de assassinatos de jovens suspeitos de crimes por supostos policiais em Angola”.
O caso, que ocorreu na capital angolana na sexta-feira, foi uma execução sumária por parte do agente do SIC e foi filmado por uma cidadã, tendo rapidamente sido denunciado e partilhado nas redes sociais, que se dividem entre a crítica e os aplausos à actuação daquele elemento policial, devido ao elevado sentimento de insegurança que se vive na capital angolana.
No vídeo é possível ver o alegado meliante deitado no chão, visivelmente ferido e a tentar levantar-se, perante o olhar de agentes do SIC.
Ao fim de alguns minutos, e com a população a assistir, um elemento do SIC aproxima-se e faz vários disparos a poucos metros sobre jovem, que acaba por morrer no local, na rua.
Em comunicado do mesmo dia, o Ministério do Interior esclareceu que, no âmbito das operações realizadas pelas forças de segurança “no combate ao crime violento”, uma brigada do SIC de Luanda esteve sexta-feira em perseguição a um grupo de meliantes armados, que circulavam a bordo de uma viatura roubada no dia anterior.
Os agentes do SIC, acrescentava o comunicado, entraram “em confronto” com os meliantes, tendo um dos polícias “atingido mortalmente um marginal em circunstâncias injustificadas, uma vez que a vítima se encontrava já sob completo domínio”.
“Pelo acto ignóbil praticado pelo referido agente, orientou-se o director-geral do SIC a tomar imediatamente todas as medidas que se impõem no sentido de proceder à responsabilização criminal e disciplinar”, refere o comunicado do Ministério do Interior.
O SIC rejeitou em Novembro passado a existência de “esquadrões da morte”, elementos daquela polícia que percorrem Luanda com uma lista de alegados criminosos a abater, mas garantiu na altura que iria encaminhar as denúncias para a Procuradoria-Geral da República.
Em causa estava uma denúncia do jornalista angolano Rafael Marques, que divulgou alegados casos desta prática extrajudicial e que já teria provocado mais de 90 mortos.
“Os esquadrões de morte, em Angola, nunca existiram. Portanto, nós também tivemos acesso a esta informação, dizer aqui que vamos solicitar junto da Procuradoria para que essas pessoas venham aos autos e dêem a informação em concreto, de forma a facilitar todos esses processos que ainda estão pendentes”, afirmou na altura o director provincial de Luanda do SIC, Amaro Neto.
Rafael Marques, que divulgou um relatório completo sobre estes casos, garantiu que já tinha levado o assunto ao ministro do Interior, Ângelo da Veiga Tavares, a 29 de Maio de 2017.
“Disse-me que já tinha pedido à Procuradoria-Geral da República [PGR] para investigar com base no relatório preliminar que lhe tinha encaminhado. O SIC estará a duplicar o pedido já feito pelo ministro? Não houve tal pedido por parte do ministro? Ou a PGR ignorou a diligência do ministro”, questionou Rafael Marques.
Independentemente do “nome” que o SIC possa atribuir, o jornalista garante que é “apenas uma questão de semântica”: “O relatório prova que os seus operativos estão a assassinar de forma sistemática. Que venha a investigação da PGR”.
A investigação, feita desde Abril de 2016, avança que estes alegados agentes do SIC atuam sobretudo nos municípios de Viana e Cacuaco, os mais populosos e inseguros da província de Luanda. O relatório de Rafael Marques aponta para 50 casos suspeitos de execução sumária, num total de 92 jovens vítimas, alegadamente delinquentes, abatidos pelos agentes do SIC.
O último dos casos ocorreu a 6 de Novembro, com três jovens mortos.
“A seu tempo, nós, SIC em companhia com a Polícia Nacional, vamos esclarecer”, garante o director provincial de Luanda da polícia de investigação, que funciona, ao contrário das restantes forças de segurança, na dependência directa do ministro do Interior.
“A polícia angolana tem a responsabilidade de combater o crime dentro dos limites da lei e aqueles que não o fazem devem enfrentar punição”, exige Dewa Mavhinga, para quem “a aparente execução a sangue frio de um suspeito requer que as autoridades angolanas investiguem de forma rápida e imparcial os membros da unidade de investigação criminal e processem adequadamente qualquer irregularidade.”
No relatório sobre a situação dos Direitos Humanos em 2017, divulgado pelo Departamento de Estado norte-americano, é referido que em Angola, entre as “formas de punição cruéis”, continuam a constar casos de tortura e espancamento, em que alguns terminam mesmo em morte, por vezes levadas a cabo pelas autoridades.
Limites à liberdade de reunião, associação e imprensa continuam a verificar-se em Angola, de acordo com o mesmo relatório, bem como uma forma de “corrupção oficial” e de “impunidade”, juntamente com, até agora, uma “falta de responsabilização” e condenações efectivas, em tribunal, para casos de violações sexuais e outras formas de violência contra mulheres e crianças.
O relatório assinala igualmente que o Governo angolano “tomou algumas medidas” para “processar ou punir funcionários que cometeram abusos”. No entanto, ainda com níveis “fracos” de responsabilização, devido à “falta de capacidade institucional” e à “cultura de impunidade e corrupção generalizada do Governo”.
Do único ponto de vista válido em Angola, o do regime, a situação dos direitos humanos no país “não é perfeita, mas há progressos”. É tanta a porrada que os que pensam de maneira diferente levam que, acredita-se, o silêncio e o medo são vistos pelo governo como sinónimo de progresso.
Folha 8 com Lusa